Manifesto

Pelo fim da violência policial e de Estado, nossas crianças e o povo negro querem viver! Chega de Chacinas!

Dia 24 de Agosto, é a data escolhida por organizações negras de todo o país para dizer: PAREM DE NOS MATAR! Nessa mesma data, 141 anos atrás, o grande advogado, jornalista e abolicionista negro Luiz Gama passava para a ancestralidade, mas a luta que ele travou pela liberdade, por cidadania e pelo direito de viver continua atual. Por isso, nos insurgimos nas ruas de diversas cidades brasileiras contra as chacinas, mortes e execuções que ocorrem sob a anuência do Estado e têm vitimado até mesmo crianças. O sentimento de vingança e o pretexto da guerra às drogas não podem ser usados como desculpas para matar. Não existe amparo na constituição e na Lei para pena de morte no Brasil!

Enfrentar o racismo e as diversas violências e desigualdades decorrentes dele não é tarefa exclusiva da população negra. É responsabilidade de toda a sociedade brasileira. Dentre as consequências do racismo, a face mais perversa se expressa nas políticas de segurança pública, que elegem o corpo negro como inimigo e alvo. E isso estimula outras violências em todas as dimensões da vida.

JUSTIÇA POR MÃE BERNADETE E BINHO!

“Quando chega até a morte, a revolta é muito grande. Há o descaso das autoridades quando se trata do povo negro”. A frase é da Iyalorixá Maria Bernadete Pacífico, liderança religiosa e quilombola, brutalmente assassinada em 17 de agosto de 2023. Ela lutava, há seis anos, por justiça ao assassinato de seu filho Binho e por titulação de terras quilombolas na Bahia. Os crimes mostram que o Estado tem exterminado nosso presente, comprometido nosso futuro e negado o direito a uma vida digna, sonhos e bem viver, seja pela omissão, ausência ou pela leniência. Exigimos Justiça por Bernadete, Binho
e todo povo negro brasileiro!

CHEGA DE CHACINA!

A polícia mata uma pessoa negra a cada 4 horas em pelo menos 6 estados brasileiros: Bahia, Ceará, Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Entre 2017 e 2019, as polícias brasileiras mataram ao menos 2.215 crianças e adolescentes (0-19 anos). O Rio de Janeiro ocupa o primeiro lugar no ranking da violência letal contra crianças e adolescentes. Em 7 anos, só na região metropolitana, 602 crianças foram baleadas, 267 foram mortas e 334 ficaram feridas. Balas perdidas encontram crianças a cada 4 horas e geram cenas desesperadoras de mães agonizando e pais carregando caixões; chacinas
com 10, 15, 20, 30 mortos em operações policiais no Rio, em São Paulo, na Bahia e em outros estados. No Brasil, em 2022, 83,1% dos assassinatos decorrentes de intervenção policial eram de pessoas negras. Tudo isso acontece com a anuência de parte da sociedade brasileira, que permanece indiferente ao massacre do nosso povo. Precisamos de um outro modelo de segurança pública, políticas de moradia digna, titulação de terras quilombolas, reforma agrária e urbana e acesso a direitos básicos. Independente dos grupos políticos/partidários que ocupam governos, o braço armado do Estado racista e
capitalista continua promovendo violência contra a população negra, favelada e periférica.

Os últimos anos de condução do país aprofundaram a presença do neofascismo na sociedade brasileira e uma das principais marcas talvez seja a fascistização das polícias. Sua herança segue disputando a sociedade. No Brasil, o fascismo e o racismo andam de mãos dadas. Precisamos seguir combatendo!

Crianças baleadas dentro de casa e de escolas, corpos marcados por queimaduras, arrastados pelo chão, baleados pelas costas, trabalhadores e principalmente jovens negros, condenados pelas tatuagens ou por já terem passado pelo sistema carcerário, casas invadidas sem mandado de segurança, operações que caçam pessoas com antecedentes criminais para realizar homicídios sob a pecha de “bandido bom é bandido morto”, em um país que não possui em seu código penal a pena de morte. Estamos condenados por sermos negros!

O QUE QUEREMOS?

Já faz tempo que passamos de todos os limites no que diz respeito aos massacres, chacinas e execuções promovidas pelo Estado, pelo crime organizado e pela violência civil generalizada. Basta! Precisamos de uma reforma que estabeleça padrões de promoção e proteção de Direitos Humanos. Iniciativas como o uso de câmeras têm contribuído para reduzir a letalidade policial. Em São Paulo, por exemplo, batalhões que adotaram o uso das câmeras tiveram a letalidade reduzida em 76%. Por isso, exigimos do Estado e das instituições brasileiras os seguintes compromissos:

1 – Que o Superior Tribunal Federal proíba operações policiais reativas (com caráter de vingança) a assassinato de policiais e operações invasivas e em comunidades sob pretexto do combate ao tráfico de drogas, com base no precedente da ADPF 635 das Favelas e nas proposições da ADPF 973 das Vidas Negras;

2 – Ao Congresso Nacional, Lei Federal que torne obrigatório e regulamente câmeras em uniformes de agentes de segurança pública, em todos os níveis (guardas municipais, polícias estaduais e federais), além de agentes de segurança privada em todo país;

3 – Plano Nacional de reparação para familiares e vítimas do estado, bem como para seus territórios, pelo Governo Federal;

4 – Ao Governo Federal, a federalização de todos os casos em que o resultado da incursão policial caracterize assassinatos, execuções e/ou chacinas e massacres;

5 – Ao Congresso Nacional e ao STF, a construção de uma política de drogas que seja fundamentada em evidências científicas, na garantia dos direitos humanos e individuais, na redução de danos, na promoção da educação e da saúde
pública, sua descriminalização, colocando definitivamente um fim a guerra às drogas, que segue justificando chacinas contra vidas negras e pobres em todo país;

6 – Ao Congresso Nacional e ao STF que coloquem limites às abordagens policiais para que não sejam racistas e discriminatórias a partir da criação de critérios objetivos para a “fundada suspeita” (instituição de um Sistema
Nacional de Abordagem Policial);

7 – Ao STF, ao Congresso e ao Governo Federal, o fortalecimento dos mecanismos de prevenção combate e rigorosa punição à tortura, como as audiências de custódia presencial e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, resgatando inclusive as 29 recomendações da Comissão Nacional da Verdade de 2014.

8 – Ao Congresso Nacional, a revogação da Lei de Drogas 11.343/2006, o fim dos homicídios decorrentes de oposição à ação policial e a desmilitarização das polícias;

9 – Ao Congresso Nacional e ao STF, que imponham métodos de controle externo à atuação policial e a responsabilização e cobrança ao papel constitucional dos Ministérios Públicos no que diz respeito à limitação da atuação violenta das polícias.

10 – Suspensão de qualquer investimento em construção de novas unidades prisionais, e proibição absoluta da privatização do sistema prisional, sem prejuízo de uma solução imediata às superlotações dos presídios brasileiros, dado o gravíssimo aviltamento à dignidade humana.

11 – Pelo reconhecimento dos terreiros como espaços do sagrado e pela Titulação dos territórios quilombolas no Brasil; Proteção e garantia da vida aos defensores de direitos humanos quilombolas e de matrizes africanas! Basta de racismo religioso! Titulação, já!